domingo, 30 de novembro de 2014

Nas entrelinhas da reportagem

Jornalista Klester Cavalcanti revela curiosidades sobre o processo de escrita do livro “O Nome da Morte”
Por Gabriela Alencar

Camiseta verde, calça jeans e tênis. Senta-se em cima da mesa da sala de palestras e não utiliza microfone. É assim que Klester Cavalcanti se apresenta na última quinta-feira (27) nas Faculdades Integradas Rio Branco. Bastante informal, ele preferiu que os presentes lhe fizessem perguntas, ao invés de fazer um monólogo.

Jornalista e autor de quatro livros (Direito da Selva, Viúvas da Terra, O Nome da Morte e Dias de Inferno na Síria) sendo os três últimos ganhadores do prêmio Jabuti de Literatura, o pernambucano Klester se mostrou bastante educado e atencioso durante o encontro, respondendo a todos os questionamentos feitos.

O principal tema da conversa foi o livro “O Nome da Morte”. Klester nos conta “A ideia inicial era fazer uma matéria para a revista Veja, só que ele não queria colocar o nome real, e eu não faço matéria sem nome real. Mas a história do cara era fantástica, e eu sou muito persistente, sabia que um dia ia conseguir convencer ele”.
Foto da capa do livro: "O Nome da Morte/ Divulgação 
“Eu fui morar em São Paulo, trabalhar aqui, lancei o primeiro livro, lancei o segundo, foi então que eu me liguei: o Júlio rende um livro”. Cavalcanti nos revela que passou sete anos se comunicando com Júlio Santana, o personagem principal de O Nome da Morte, por telefone, até se dar conta de que a história era muito boa, para se tratar apenas de uma matéria.  

Durante todos os anos de conversa por telefone, e de todas as histórias contadas por Júlio, Klester também apurava todos os fatos, pesquisava tudo, entrevistava pessoas envolvidas, familiares das vítimas, para poder ter um relato verídico com todas as partes envolvidas, “porque eu acho que é esse trabalho que eu faço que deixa os meus livros legais, eu não falo só a historia do personagem, eu conto o que teve em torno”.

A curiosidade geral foi se Klester em algum momento ficou com medo, ou com algum receio na hora de entrevistar Júlio Santana, afinal ele era um matador de aluguel que já matou quase 500 pessoas, mas o jornalista nos conta que o tratava apenas como uma fonte. “O Júlio para mim é uma fonte. Quando eu faço um trabalho eu não julgo se o cara é um matador, padre, empresário, arquiteto, eu vou entrevistar uma pessoa, uma fonte. Não me interessa os valores do cara, se é bom ou mal, se é rico ou pobre".

E dá uma dica para os futuros jornalistas: “A entrevista é um namoro, é uma conquista, você vai conquistar a pessoa e vice e versa. Você tem que tratar todo mundo igual e com Júlio era assim, para mim era uma fonte e eu tenho certeza que ele sentiu isso”. 

Um dos pontos de grande destaque na palestra foi quando a professora de ética e legislação, Renata Carraro, perguntou a Klester o porquê ele não ter entregado um assassino de aluguel à polícia, se essa atitude foi antiética da parte dele. Klester rebate: “Eu sou jornalista, eu não sou policial. Meu trabalho ali era contar a história do cara”. Ele comenta que quem passou o contato de Júlio para ele foi um policial federal. “A polícia foi quem o entregou, vou dar o cara de volta?”, contesta.

“Para mim como jornalista seria antiético eu entregar o Júlio, o cara é minha fonte, ele confiou em mim. A relação é a seguinte, eu vou contar a sua história. Eu tinha que ser fiel ao que eu falei com ele”. Cavalcanti esclarece que a denúncia é através de seu livro, um homem que matou 492 pessoas e nunca foi preso ou condenado. É justamente para mostrar como no Brasil existe uma pessoa assim e está solta até hoje. “Esse cara é uma pessoa no sistema, ele não é o único assassino de aluguel do Brasil”.

No livro todas as informações, datas, nomes, sobrenomes, lugares são reais. O jornalista explica que para ser um verdadeiro trabalho jornalístico, é necessário que tudo seja apurado e checado, se não para ele trata-se de ficção. “Se você não me contar o nome real nas pessoas, como e onde foi o fato, para mim é lenda”, afirma.  

Apesar de “O Nome da Morte” ter sido publicado em 2006, Klester sanou a curiosidade dos presentes, ao declarar que ainda mantém contato com o ex-matador de aluguel, que hoje está aposentado. Ele revela que liga para Júlio todos os anos, no dia do aniversário dele e que recebe ligações no Natal ou em outras datas. E ainda que repassa 20% do que ganha com o livro para Júlio, através de um acordo verbal.  
Jornalista e escritor Klester Cavalcanti/Divulgação
“Além de fã, virei amiga”

Renata Carraro, professora das Faculdades Rio Branco, nos cursos de direito e jornalismo, é amiga de longa data de Klester e nos revela como o conheceu. "Eu conheci o Klester quando eu fui jurada do prêmio Valdimir Herzog, na categoria livro reportagem. E um dos livros que estavam concorrendo ao prêmio, era O Nome da Morte”. Mas, naquela ocasião, o livro de Klester não foi o vencedor.

“O meu voto foi para o livro dele. Eu achei maravilhoso, em termos de uma narrativa perfeita, um texto perfeito, em termos de apuração. O assunto era inédito”, conta. Dois meses depois, na entrega do prêmio Jabuti, em que o livro “O Nome da Morte” foi o vencedor, Carraro finalmente teve a oportunidade de conversar com o jornalista e comentar sobre suas impressões a respeito do livro. “Desde então, fomos ficando mais amigos. Ele começou a vir falar com os meus alunos, eu o apresentei para outros colegas e além de fã, virei amiga”.

O processo de escrita

Klester Cavalcanti conta que prefere anotar tudo, todas as informações passadas pelas pessoas durante as entrevistas, do que utilizar um gravador, porque considera chato ter que ouvir tudo depois. “As minhas entrevistas são sempre com um bloquinho e uma caneta”.

Ele conta “Eu tenho uma ótima memória, se eu escrever uma frase, eu lembro de tudo que a pessoa me falou, de dez minutos de conversa”. Processo muito parecido com o famoso jornalista americano Truman Capote, que inaugurou o chamado jornalismo literário através do livro, A Sangue Frio. Segundo relatos, Capote possuía uma ótima memória e consegui gravar 95% de todas as conversas que tinha com seus entrevistados, sem utilizar gravadores.

Por fim, Klester nos conta que quando têm todas as informações apuradas e investigadas, é que ele começa a escrever, essas incríveis e chocantes histórias.

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